"A súbita sensação de realização após a compreensão da essência de algo."

Minhas palavras são como um olhar acompanhado de um sorriso, são as janelas de minha casa!

Essas estarão sempre abertas para que o ar se renove e as pessoas possam espiar aquilo que permito aparecer.

Se as cores do interior lhe chamaram a atenção, entre e fique à vontade. Seja bem vindo! :)


sexta-feira, 27 de março de 2009

Aqui jaz um corpo

Preparem-se pois aí vem um grande texto, em todos os sentidos!

- "Aqui jaz um corpo."
Essa era a frase que deveria estar escrita em todas as plaquinhas dos jazigos de um cemitério, pois é somente isso que somos quando não mais existe flúido vital, alma, espírito, chame como quiser. Sempre que passo por uma experiência nova em que aprendo algo, sinto necessidade de escrever e é por esse motivo que o assunto desse texto é o polêmico e misterioso: fantasma da morte; é sem dúvida o tema em que as mais diversas analogias se aplicam, mas tentarei me prender a uma linha de pensamento. Vamos nos tratar como aparelhos eletrônicos; para que os processos dentro de nós ocorram e exerçamos nossa função, precisamos de energia, desconectados de uma tomada, não somos nada; é mais ou menos assim que funciona. Acredito que estamos aqui com o objetivo de cumprir uma missão, sendo ativos e passivos de ações que servirão para nosso aprendizado e também daqueles que dividem conosco em suma a mesma essência, ensinar e aprender mutuamente; para isso ganhamos o corpo como nossa morada, um instrumento, uma embalagem perecível, orgânica, com data de fabricação e prazo de validade "indeterminado". É óbvio que tudo isso foi pensado, alguém tão evolutivamente superior que mesmo injustiçado, torturado e crucificado consegue perdoar e ainda dizer que nos ama, não deixaria por menos.
Apesar de indeterminado, sabemos que o corpo se deteriora em função do tempo, que é um fator previsível; mesmo as doenças e demais complicações que parecem vir ao acaso, tem sua razão de estar alí. Agora imaginemos o espírito como um ponto de luz e energia, nada mais que isso; é ele que ao entrar na máquina composta por sangue, órgãos, músculos, ossos, pele, cabelos e unhas, ou se preferir em um corpo, assume sua identidade, nome, aparência física, gostos e manias. Chamaremos o plano espiritual de biblioteca e o corpo, uma sala de estudo individual aonde ficamos para realizar uma espécie de prova, completar lições que nos permitirão acessar um nível superior... logo entenderá o porque. Esse ponto de luz e energia está reunido com outros milhares em uma biblioteca aonde acontecem palestras e debates sobre os mais variados assuntos, naturalmente de alguma valia para a alma, ou seja, nada fútil; como um curso extensivo, aonde se aprende em um longo espaço de tempo, talvez eterno. De vez em quando eles se separam, vão para as salas de estudo individuais completar suas lições, como em um curso intensivo, aonde o tempo é curto e a quantidade de informação recebida é maior e mais intensa, ao terminá-las, abandonam a sala e voltam a se unir aos demais. Pois bem, irei direto ao ponto em que quero chegar, faremos uma pausa nas analogias pois é chegado o momento de encarar a realidade e os fatos.
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Essa semana perdi um ente querido da família, minha avó que morava comigo desde que nasci.
Ela era diabética, havia perdido a visão (catarata), sofreu amputação dos membros inferiores (necrose tecidual) e já estava acamada há quase vinte anos... em novembro completaria seu 96° aniversário, mas antes disso, completou sua missão. Meu avô sofria dos mesmos problemas e veio a falecer em 1997 com 104 anos, com certeza teve uma grande lição à aprender. Desde pequena via o entra e sái de médicos e enfermeiros em minha casa, quando mais velha pude acompanhar alguns procedimentos, aprender sobre a área médica e descobrir minha paixão pela arte de cuidar, pela medicina. Quando meu avô faleceu estava internado no hospital, então não pude acompanhar seus momentos finais... nunca havia ido a um enterro, jamais havia chegado perto de um corpo sem vida, ainda mais de alguém conhecido, querido; era muito nova e não tinha nem metade do conhecimento que tenho hoje, mas uma coisa eu descobri alí, não tenho medo. Acho que ao lidar com a morte, meu interesse em saber mais sobre o funcionamento do corpo humano, minha vontade de aprender e descobrir a cura só aumentaram. Venho tentando entrar para a faculdade de medicina há alguns anos, sei que a área de saúde será uma benção pra mim, já quase desisti e voltei atrás diversas vezes, quando havia mudado minha opção de carreira definitivamente e já estava matriculada na faculdade de Odontologia do Rio de Janeiro, minha vida foi jogada em um liquidificador. Tudo mudou em questão de dias! Outro apartamento, outra faculdade, outra cidade. A cada passo no novo mundo a medicina era jogada no meu colo, estava impressa nas frases dos "outdoors", nas histórias dos livros que pegava para ler, no enredo dos filmes... vinha de páraquedas, de bondinho, surgia no meu caminho me fazendo tropeçar e da última vez, foi como um tapa na cara... e bem dado.

* Quarta-Feira, 25 de março de 2009
Já era noite e meus pais haviam ido ao Rio de Janeiro resolver alguns assuntos da mudança, estávamos apenas eu, minha avó e a enfermeira em casa, eu estava no andar de cima assistindo televisão. A ausência de pulsação foi detectada às 22 horas, mas somente às 22:15 fui comunicada pois a enfermeira custou a acreditar que aquilo estivesse acontecendo, logo naquele dia em que ela havia se alimentado bem, conversado e aceitado a medicação sem questionar... é o que chamam de "melhora da morte", como a última tentativa do organismo em reagir. Após a confirmação do óbito ela veio me chamar nos pés da escada, desci e a acompanhei até o quarto; chegando lá fiquei parada próxima a cama em silêncio, apenas olhando; era nítido e gritante o fato de não haver mais vida naquele corpo, os olhos haviam perdido o brilho, a face havia perdido a expressão. Podem até pensar que sou maluca, mas nesse caso, prefiro que me chame de excêntrica... jamais havia chegado tão perto de uma sala de estudos recém abandonada, de uma fantasia usada em um grande espetáculo, de uma embalagem com o prazo de validade vencido ou apenas de uma máquina desligada, mas com suas engrenagens ainda em movimento; o sangue ainda circulava, mesmo que devagar, a pele se mantinha corada, a temperatura do corpo ainda estava normal, mas começava a cair... eu precisava explorá-la, sentí-la, tocá-la; aquela havia sido a morada de minha avó e sei que não se importaria. Bom, passado o choque inicial: O que fazer? Chorar em cima de um corpo iniciando um estado de decomposição e posterior putrefação? Claro que não, seria no mínimo uma falta de respeito com aquela carcaça tão sofrida que foi instrumento de uso para nos proporcionar momentos felizes!
É hora de agir.
"Quanta frieza, Renata! Era sua avó, não estava triste?" Sinceramente, naquele momento não sentia nada. Permita-me uma correção: Não era minha avó, era o corpo dela. Ela não sumiu, não acabou, apenas abandonou essa sala e voltou para a biblioteca muito feliz, aprovada pra próxima fase... e eu, sinto orgulho dela por isso. Não vou gritar nem espernear! Saiba que a biblioteca tem as paredes de vidro, ela pode nos ver e nos ouvir...mas, não ultrapassá-las. Acha que vai se sentir bem vendo meu desespero sem poder me consolar? Acha que quero ser uma "estraga prazer" justo nesse momento em que ela concluíu mais uma etapa? Eu devia comemorar! Sentirei falta da pessoa dela e isso só prova que o que fez enquanto esteve aqui foi importante, e ah... não é frieza, é necessidade de atitude, sensatez, racionalidade... chame de sangue frio se quiser. Liguei para os meus pais e dei a notícia, em seguida acendemos uma vela em sua homenagem, pela missão cumprida. Achamos interessante que a deixássemos em condições visualmente agradáveis, sabíamos o quanto era vaidosa com aquele corpo. Fizemos o asseio, trocamos sua roupa, penteamos seu cabelo, amarramos seu queixo com uma tala para que ficasse com a boca fechada e posicionamos suas mãos acima do colo... tudo isso com muita calma, segurança, carinho e respeito. Enquanto a vestíamos, mantínhamos o mesmo cuidado de quando ainda habitava aquele corpo para não machucá-la... é difícil se acostumar; ao apertar a tala, disse à enfermeira:
- Pode apertar bem, ela não está mais aí dentro, não vai sentir. Ainda brinquei:
- Se a deixarmos ir ao funeral com a boca murcha, ela vai dar um "Pití", vai por mim.
Minha avó já teve muitas enfermeiras, mas devo admitir que essa última foi um presente do destino, o melhor anjo da morte que poderia existir... ah sim, esse anjo tem nome, é Dilma. Enquanto esperávamos meus pais, nos sentamos junto ao corpo na cama e conversamos; sobre a vida, o espiritismo, nossos valores hoje em dia e constatamos o quanto somos materialistas.
Enxergamos o interesse, ao invés da intenção. O dinheiro, ao invés do caráter. O status social, ao invés da personalidade. A perfeição dos dentes, ao invés do sorriso. A cor da pele, ao invés de um ser humano. Ninguém me olha e vê um espírito em evolução, um ponto de luz e energia habitando um corpo, pois não é concreto, não podemos tocar. Precisamos de mais pra acreditar, somos materialistas até nesse ponto. O que vêem é uma sala de estudos chamada Renata, cabelos e olhos castanhos... enxergam a marca da roupa que visto, minha situação financeira, se falo de acordo com a norma culta, se tenho o carro do ano, se me comporto de acordo com as leis impostas pela sociedade ou não. Isso aqui é só um corpo! Vai virar comida de inseto e cheirar a coisa podre não importa quantas plásticas tenha feito, quantos perfumes e bolsas tenha comprado. Se não trabalharmos a mente, o coração, a bondade, vamos repetir o mesmo nível durante muito tempo, a cada vez que isso acontece, a lição se torna mais sacrificante. Quando temos um derrame e perdemos o movimento dos membros, a visão, a fala, digo que nos tornamos prisioneiros de nossa morada, a mente de um velhinho de olhar distante em uma cadeira de rodas está a mil por hora, mas o corpo não o deixa interagir com o ambiente, essa é uma dura lição, ser apenas espectador... ver coisas boas e não ser capaz de fazer um elogio, coisas ruins e não poder denunciar, ser impotente, esse sabe o quanto o corpo precisa de uma mente para estar de fato vivo e vice versa. O corpo acaba, o ponto de luz e energia não! Com o avanço da medicina conseguimos burlar as leis da seleção natural, atrasar sua ação. Quer fazer sua lição de forma pacífica? Cuide de sua morada. Isso te dará tempo para resolver as questões com calma, apagar e tentar de novo, quantas vezes achar necessário e sem pressão. Não fume, não consuma álcool em excesso, não se drogue e não se arrisque. Alimente-se bem, beba bastante líquido, tenha uma rotina saudável, pratique esportes e tudo aquilo que nós dois já sabemos.
Se fizer tudo isso, for uma boa pessoa e ainda assim aos 30 anos for atropelado por um ônibus enquanto ajuda um deficiente visual a atravessar a rua, fique feliz! Você já havia terminado o dever de casa e estava só esperando o sinal bater para deixar a sala, ainda fechou com chave de ouro, fazendo uma boa ação. (não sei se deixei claro, você morre e o ceguinho sái ileso; e é claro que a companhia de ônibus e o motorista saem impunes, estamos no Brasil.) Não gostaria que os que tiveram paciência para ler até aqui precisassem ficar "marcando passo" e sofrendo nessa fase. Dê menos valor as coisas materiais, carros, dinheiro, computador...dedique-se menos ao consumo do que é irrelevante. Cuide de sua saúde, seja generoso, aprecie a natureza, faça o bem! Diga mais sim do que não, faça alguém sorrir... ou apenas, sorria pra alguém.
Existe tanto pra se viver, conhecer, experimentar!
Nomes para se chamar, mães e filhos pra ter, amores para viver... que seja um em cada sala ou o mesmo em todas elas. Temos tantos corpos pra habitar, histórias pra protagonizar! Vá até o fim, zere esse jogo e vá descansar num paraíso que pode ser do jeitinho que imaginar, o meu por enquanto é estar aqui, nessa pequena sala de 1,58cm de altura... fazendo a minha lição. (e vê se não me desvia o foco, tentação danada! rs..) Não posso lhe garantir que realmente funcione assim, mas se faz sentido pra você tome-o como verdade, a sua verdade. Faz pra mim. De onde acha que vem as frases: "Fulana era um anjinho, sem pecados, tão jovem... morreu cedo." ou "Aquele alí vai viver anos e anos, vaso ruim não quebra!", sabedoria popular? Que nada! Pura sorte de principiante, isso aqui ainda vai longe...

* Sei que é difícil, mas tente não questionar o "porque" da morte de alguém querido, do abandono da sala em que estudava. Ele terminou sua lição e não foi simples, concluíu seu trabalho, passou para uma nova etapa, melhor, superior...sua vitória e descanso eterno é mais que merecido, é justo. Não é preciso que estanque suas lágrimas, mas sim que acalme seu coração pois o desespero não honra quem partiu. Não sei deixe mergulhar num vácuo existencial pois assim estará deixando que essa pessoa morra no único lugar em que deve permanecer...dentro de você. =)